quinta-feira, 5 de junho de 2014

Direitos das mulheres: entenda melhor quais direitos estão sendo ameaçados

Arte de Aline Valek.

No Brasil, o aborto é legalizado para os casos de gravidez decorrente de estupro, risco de vida da mãe e gravidez de feto anencéfalo. Apesar disso, mulheres encontram vários entraves na hora para realizar o procedimento mesmo nesses casos previstos no Direito brasileiro. A matéria "Dor em dobro" expõe a realidade das mulheres brasileiras que buscam o procedimento por terem engravidado de um estupro e mostra como o fundamentalismo religioso é um fator que dificulta o acesso dessas mulheres por seu direito ao aborto legal. A fim de mudar essa realidade, a portaria 415/2014 foi publicada, mas imediatamente revogada por pressão de fundamentalistas religiosos. A Lei 12.845/13, uma conquista recente, também veio para extinguir algumas dessas dificuldades relatadas e tem sofrido ataques no Câmara dos Deputados, através de um Projeto de lei que visa revogá-la. 

O que era a Portaria 415/2014? 

A Portaria 415 retirava um dos obstáculos ao acesso a esse direito, visto que garantia a gratuidade do procedimento, por prever a realização do abortamento legal pela rede pública de saúde. Era um complemento da lei 12.845/13. 

Além disso, a Portaria garantia para a gestante que buscava o procedimento, o direito ao acompanhante e permitia a identificação do procedimento como "Interrupção da gestação prevista em lei" e demais informações, que é um importante instrumento para monitorar políticas públicas de saúde reprodutiva. Saiba mais aqui.

Sem a Portaria 415, qual é a situação? 

A busca pelo procedimento continuará sendo árdua e com a dificuldade de não ter a gratuidade garantida. Além disso, os números referentes ao aborto legal continuarão subnotificados e a humanização do procedimento, através do direito ao acompanhante, dependerá da boa vontade de cada hospital. 

E a lei 12.845/13? Do que se trata?

Essa lei dá a garantia de atendimento obrigatório, integral, multidisciplinar e emergencial às vítimas de violência sexual. Ela prevê uma série de procedimentos que tem como objetivo tratar, tanto fisicamente, quanto psicologicamente, a vítima. Entre eles, a profilaxia da gravidez, que na maioria das vezes é a disponibilização da pílula do dia seguinte, mas se ela não for mais efetiva, é a disponibilização do aborto legal, e também a realização de exames para detectar doenças sexualmente transmissíveis e a disponibilização de medicamentos que visam evitar o desenvolvimento delas. 

A pílula do dia seguinte sequer pode ser considerada abortiva, porque o máximo que ela evita é que ocorra a nidação, que é impedir a fixação do ovócito no endométrio. Um dos objetivos da disponibilização dela no atendimento à vítima de violência sexual é justamente evitar que ela, no futuro, se descubra grávida em decorrência da violência que sofreu. 

Qual é o ataque que a lei 12.845/13 sofreu? 

Ela não foi revogada, mas há um Projeto de Lei tramitando na Câmara Federal que quer revogá-la. O número dele é 6033/2013.

Por que é tão importante impedir essa revogação?

Antes da lei 12.845/13, as mulheres que buscavam atendimento após serem vítimas de violência sexual dependiam de como cada médico interpretava a lei penal sobre abortamento em caso de estupro, deixando a vítima à mercê da subjetividade de cada médico, porque não havia nenhuma padronização obrigatória dos procedimentos a serem feitos nesses casos, apenas diretrizes feitas pelo Ministério de Saúde que não tinham efeito legal. Logo, estados e municípios muitas vezes não implantavam os procedimentos defendidos nas normas técnicas de caráter não obrigatório. Deixando as vítimas de violência sexual a mercê.

Com a lei, a vítima de violência sexual tem a garantia de receber um tratamento que visa a impedir que ela engravide da violência que sofreu, nisso, garante-se também, que ela saiba que tem direito ao abortamento legal, caso mesmo assim venha a engravidar dessa violência. Informação que na maioria das vezes não era dada antes da lei e que agora deve ser dada, para proteger a saúde psicológica da vítima da agressão. Afinal, pode ser um alívio saber que caso você engravide daquele evento traumático, você não é obrigada por lei a seguir com a gestação.

Além disso, a padronização do procedimento de assistência às vítimas de violência sexual acaba por inibir, ao menos um pouco, as culpabilizações que as vítimas muitas vezes ouviam ao buscar atendimento médico, visto que hoje há toda uma série de procedimentos definidos em lei e que devem ser respeitados independente da subjetividade do atendente. 

O que são direitos reprodutivos e direitos sexuais?

São direitos humanos que visam garantir o acesso aos contraceptivos, à privacidade, intimidade, autonomia individual, liberdade sexual, entre outros direitos que se relacionam a isso. Reconhecer tais direitos é dizer que o Estado deve garantir, através de políticas públicas e normas jurídicas, o direito à saúde, incluindo sexual e reprodutiva. A Portaria 415 e a lei 12.845/13 são essenciais, visto que permitem a autonomia individual e protegem a saúde psicológica da pessoa humana. 

Os ataques aos direitos reprodutivos e sexuais não se restringem à revogação das normas protetoras citadas, mas ocorrem também quando o uso de métodos contraceptivos são condenados pela Igreja e quando a educação sexual e o acesso aos contraceptivos encontram óbices fomentados por dogmas. 

"o efetivo exercício dos direitos reprodutivos demanda políticas públicas, que assegurem a saúde sexual e reprodutiva. Nesta ótica, fundamental é o direito ao acesso a informações, meios e recursos seguros, disponíveis e acessíveis. Fundamental também é o direito ao mais elevado padrão de saúde reprodutiva e sexual, tendo em vista a saúde não como mera ausência de enfermidades e doenças, mas como a capacidade de desfrutar de uma vida sexual segura e satisfatória e reproduzir-se com a liberdade de fazê-lo ou não, quando e com que frequência. Inclui-se ainda o direito ao acesso ao progresso científico  e o direito de receber educação sexual. Portanto, aqui é essencial a interferência do Estado, no sentido de que implemente políticas públicas garantidoras do direito à saúde sexual e reprodutiva" - Flávia Piovesan - Direitos reprodutivos como direitos humanos.
Por que é tão importante lutar contra esses retrocessos? 

Lutar para que mulheres tenham acesso aos seus direitos garantidos e que eles não sejam restringidos por violações ao Estado Laico é simplesmente respeitar mulheres como pessoas. Afinal, os direitos humanos também são endereçados às mulheres, porém na prática, a gente percebe que se somos mulheres, nossos direitos serão violados com maior frequência e serão tratados como moeda de troca. 

Os direitos reprodutivos e sexuais são uma extensão do direito à saúde. Lutar contra retrocessos nessa área é lutar pelo direito à saúde das mulheres. Os pequenos avanços na legislação da área são raras vitórias e é inaceitável perder o pouco que foi conquistado. 

No dia 07/06, às 14 hs, na praça da Sé, em São Paulo - SP haverá ato contra a revogação da #Portaria415 e contra a possível revogação da lei 12845/13.

No dia 06/06, a partir das 16 horas, haverá tuitaço para conscientizar a galera sobre o tema e divulgar o ato em São Paulo. A hashtag será #AbortoLegal, mas outras hashtags como #Portaria415 e #Lei12845 também são bem-vindas. 

Saiba mais no tumblr #AbortoLegal. E mande sua foto para nós, ativismodesofa@gmail.com ou para o tumblr "Para não morrer".

*Aborto legal, seguro e gratuito não é apenas direito das mulheres, homens trans e pessoas não binárias com útero também podem engravidar.  A reivindicação é para todas essas pessoas. E nem todas as mulheres podem engravidar e tem útero. 

Vídeo: #Aborto Legal: conheça seus direitos! 

Revogação da Portaria 415: e o aborto permitido por lei, não será seguro e gratuito? 

Nossos direitos reprodutivos, eterna moeda de troca. 

Direitos das mulheres sob ameaça


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